O sofrimento de Cristo na cruz, toca-nos na maioria das vezes, superficialmente, na pele, nos sentidos. Sofremos com o Mestre na proporção de nosso amor pelo salvador. Entretanto, na maioria das vezes estamos tão afastados das sublimidades da transcendência, tão arraigados na matéria e suas seduções, que escapa-nos aquilo que em tudo nos serve de elo mercurial entre a solidez do chão sob nossos pés e a inteligibilidade da verdade que em última instância, oferece-nos sentido para que mantenhamos os pés no chão.
Ao contemplarmos a paixão de nosso Senhor, parece-me que dificilmente nos atravessa a fronteira craniana, as razões inerentes e a proporção infinita de seu sofrimento. É como se admirássemos um cristal, e até mesmo compreendêssemos algo de sua beleza, mas sem que possamos perceber a força de seu fulgor. Um cristal belo, mas de brilho inacessível. Com Cristo e seu sofrimento, para a maioria de nós, atolados neste lamaçal hodierno, acontece o mesmo. Isso, até sermos curados pela britadeira intelectual do santo doutor angélico, sempre tão desrespeitoso com as muralhas de nossa ignorância.
Que nós, filhos do paracetamol, sejamos fracos, desnudos mesmo do mais animalesco ímpeto de sobrevivência, é óbvio; mas penso, diante das torturas tão comuns aos antigo, dos inenarráveis sofrimentos que a raça dessa época pretérita convivia como coisa normal, provavelmente enlouqueceríamos ao observarmos a primeira amputação sem anestésico. Veja só, o homem urbano, já imensamente afastado da natureza, quase não é capaz de ver uma galinha ser morta sem praguejar contra o criador por permitir tamanha crueldade. Imaginem frente aos suplícios de alguém sendo cozinhado vivo numa caldeira.
Por favor, misterioso leitor, não me entenda mal, não faço defesa de cruéis abominações, nem acho correto que homem seja da época que for, aparente tranquilidade com a tortura aleia; o que evidentemente é um disparate, pois, se assim fosse, a própria tortura que muito mais que uma ferramenta de dor, tem em vista a propagação do medo, deixaria por óbvio, de ter alguma finalidade. É tortura porque provoca medo, abominação, e se em algum momento não provocasse esses sentimentos nos homens, perderia sua razão de ser. O caso é que, nós dias de hoje, ademais ao "indivíduo" ocidental, a tortura seria desnecessária, apenas o torturador já seria o suficiente para aterrorizar muitos brutamontes de academia.
E digo tudo isso, pois talvez a comoção que nos é comum quando contemplamos Cristo crucificado, não se dê por conta das implicações inteligíveis do fato de que Aquele a sofrer seja o próprio Deus encarnado, mas sim pela nossa sensibilidade desordenada que tem como limite de tudo, as barreiras da carne. Infelizmente, para muitos católicos "bem instruídos", a dimensão da divindade de Jesus, muito embora possa ser balbuciada por alguma lembrança catequética, no fundo de seus corações, esteja obnubilada pelo verdadeiro soterramento de nossas consciências no materialismo liberal.